sábado, novembro 18, 2023



    LAVRAR O MAR






                                                                      Grav   ABIO DE LÁPARA


Olho aqueles corpulentos

Majestosos e hercúleos 

Bois da velha companha.

Enlaçados ao calão da rede

Vão-na alando até a deixar ofegante na praia

A parir do ventre estripado

O prateado peixe roubado ao mar.


Animais vindos do lado de lá

Do perfume adocicado da resina

Dos pinheirais,

Trouxeram-nos à borda a lavrar o mar.

Vêm nas manhãs de nevoeiro  em parelhas ,

Cabeça baixa, olhar torvo, parecem citados pelo mar,

A investir por ele,vaga adentro encharcados.


Afagados pela maresia

Nos dias de sol espraiado,

Vejo-os resfolgarem, nariz no ar

À procura de uma sombra no areal caiada,

Que ali não existe. 


Parecem velhos...

Os bois nasceram já velhos

Na cor pardacenta do seu costado.

Velhos no sossego da sua existência

Vão ruminando no alento da noite, a sua ausência,

Para no amanhã prateado, voltarem ao fadário,

Sob sol escaldante

Ou chuva na manhã desmaiada.

Fustigados pelo vento gélido da madrugada

Seguem de olhos turvos despidos de um qualquer sudário,

Parecendo amarrados a uma existência amargurada.



Sigo-os duna abaixo

Ao encontro do mar ousado...

Mar quebrado, mar amargo, 

Mar azul de tão salgado

Em que a  onda  açoita o xávega 

Que,alevantado, teima ir

Lá longe onde moram as sereias,

Largar a rede para tirar do ventre do mar

A prata que a terra não pode parir.



E lá vão, 

Dobrados, encabrestados

 Ao tropeço na areia lassa da duna,

Fustigados pelo aguilhão do abegão

Levando  à sua frente, aos tropeções,

Os mirones que vindos de madrugada

De chapéu e botifarras,

Calça arregaçada, 

Desertam em louca debandada

Em tropel, fugindo na frente do estoiro da « manada ». 


Na praia já se alinham os xalavares.

Os bois doridos pela jornada

Parecem perdidos no areal 

Semeado de escasso espezinhado, 

Prateado, ensanguentado .

Hoje não há mais ir e voltar

Hoje mar... podes ir  acolher o sol dourado

E com ele ir, lá longe, nos longes teus, namorar.


[para que as gaivotas voando sobre os vossos beijos me venham de madrugada contar  a estrela  do pássaro e  a  estrela  do  grito teu...MAR!]








Sem comentários:

  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...