Sou avesso a estados de alma aonde a solidão navegue. Mudo facilmente de rumo, a trocar-lhe as voltas.
Mas há dias-
Num destes dias, desta semana, era hora sobrante para fechar a portada. Abri a porta, e deparei com aquela chuva de lágrimas fortes, intensa ,mas não de cântaros. Derrame queixumento vindo lá do alto, que me encanta. Nunca na vida usei guarda chuva; nem nunca me apressei para dela fugir,
Um dia pus em discussão, na Faculdade, a seguinte questão: se um individuo correr á chuva, molha-se mais -ou menos –, do que quando percorrer a mesma distância, paulatinamente? A discussão durou horas, com cálculos pelo meio, e até Einstein veio dar ajuda .
Aqui chegados, é um facto: gosto de apanhar a chuva de «caras, de frente». Como a vida: pegá-la pelos cornos.
Ora olhando lá para «os sules», notei uma noite escurecida pela bruma. Mas, em contraste, e como habitual neste micro clima que metro a metro se transforma, a noite era brilhante em frente do meu terraço. E eu juro que distingui na ria, seis vénus vestidas de um branco num cantar belo e repousado, uma espécie de silêncio frouxo, ondulado, carregado de virginais convites.
O choro grosso vindo lá das alturas, à falta de vento, parecia querer repousar nas agulhas do pinheiro, aqui debruçado, a pedir licença para pernoita ..O pinheiro solitário, iluminado pela luz vinda da rua, deixava ver um verde esplendoroso na ramagem. As gotículas gravitavam nas agulhas inclinadas, e iam caindo a chorar de novo, pingo a pingo,lentamente. Luzes brilhantes, minúsculas, que se iam apagando e acendendo, numa harmonia silenciosa..
A ria parecia eriçada, irritada pelos bagos de chuva que a adoçavam. A ria não gosta de ser doce. O eriçamento quebrava a monotonia de uma noite muito calma, despida de vento, que pronunciava a tareia que lá viria. O vento amortalhado ao largo, deixava claramente ver o quadro impressivo das casinhas brancas da Maluca, aqui e ali salpicados de pontilhados provindos da iluminação ribeirinha, amarelada, a ver-se ao espelho da ria. Esvaindo-se…nuns requebros de turbulência calma.
Nno meu fato de noite (calções e camisolinha de nanar), estonteado, pregado á natureza, o cérebro em paixão renovada ,interrogava-se :que raio de silêncio é este que me acaricia e me faz sonhar, que cheira a urze fresca e me sabe a suspiro?. Pensando que, se «a caprichosa» natureza me arrasta para o irreversível fim, mitiga-me a dor de me lamentar, ao deixar-me, ainda, saborear a sua portentosa beleza. A ponto, talvez(!), de ter dor de não ter «dor», esquecido do resto que ai vem.
E de repente estremeci; pareceu-me que uma mão que sempre conheci, me convidava.
-Anda….
E eu fui…«podão« que sempre fui nos volteios da dança, não neguei, «Ela» sempre me soube dar o jeito para percorrer as alamedas do salão, dando ritmo ao meu corpo tosco. E quando assim era, todos os meus sonhos pareciam de vermelho vivo, aveludado. Irreais. Cisne, borboleta, milhafre…tudo eu queria ser.
Senti uma frescura maravilhosa inundar-me de vida. E a ria nesta noite, era uma imensa avenida luminosa que «percorríamos» enlaçados, rodeados pelas vénus que nos salpicavam de flores. Uma maravilhosa cascata de gotículas cristalinas, brilhantes, a impedir o eco dos nossos corpos nos espelhos que nos cercavam. E vogámos pala ria, entre beijos, até á ilha dos «desejos»…
E então percebi que para matar a solidão não é preciso procurar as estrelas, nem a lua, nem o azul. Na esplendorosa negrura da noite vi todos as minhas recordações plasmadas.
-Voltas? ……
-Sim na noite …da «noite».
Sou um velho ainda menino, ainda a gosta de brincar, com a ternura do silêncio apetecido.
Solidão: enquanto souber sonhar, não te vendo a alma…..
SF
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