A propósito de um comentário à foto publicada pelo João Parracho
A olhar para essa foto, que conhecia de há muito,mas sobre a qual não me tinha detido, reparei em dois barcos moliceiros ,com as proas brochadas a branco.
Este pormenor que(já) explico no livro ”Embarcações que Tiveram seu Berço na Laguna” ajuda a discernir, aquele que para mim foi um dos casos mais difíceis de interpretar (ou afirmar)quando andei envolvido no estudo das Embarcações.
O saber com exactidão (a maior possível) a data do aparecimento da embarcação tipo Moliceiro(à falta de documentação) foi muito problemática. Saber se houve um ,dois ,ou até, três tipos desta embarcação, deu trabalho desarcado de busca na memória das gentes. Teorizar pelo incrível formato da sua proa(característica que o identifica, diferente de todas) aspas...aspas...
Vamos lá então :
A apanha de moliço (verde) deverá ter sido iniciada por volta de 1667.Q uando se começaram a arrotear os terenos lamacentos das “gafanhãs”.E depois ,mais tarde(Séc.XVIII) se iniciou o povoamento dos terrenos a norte da Torreira(hoje Quintas do Norte).
Sabemos por documentação da época que a bateira ”Ílhava” -a mais polivalente embarcação da ria- foi utilizada nesse começo para catar o moliço. Contudo ,o facto de não ter draga e bordo (era uma bateira),não permitindo o correr do moliceiro sobre as mesmas ,arrastando as ervagens, tinha largos inconveniente que urgia resolver.Mais: tinha um pontal muito elevado(0,70m) o que dificultava imenso o levantar e o embarcar do moliço.
Poderemos então teorizar que o Moliceiro terá aparecido por todo o Séc. XVIII(provavelmente fim).Em 1883 havia já, 1342 embarcações ; no princípio do Séc.XIX havia 1200 arrais; em 1900 havia 1054 (ver mapa livro)
Um único tipo(monotipo) como no caso do Mercantel?
No Moliceiro aparem-nos três tipos de construção que mostram claramente a sua identidade(ou proveniência construtiva).
Das Gafanhas (miroas) nasceu uma embarcação de linhas pobres (no desenvolvimento),de pequena capacidade(3 ton) que, dada o curto trajecto que fazia dada a proximidade da apanha (canal de Mira) ao local onde descarregava(Gafanhas e Poço da Cruz),fazia empostas curtas diárias.Era uma embarcação para trabalho, toda brochada a negro, sem grandes mostras ou caprichos, a que depreciativamente se pôs o nome de “matola”.
2 matolas(duas bicas diferentes)
moliceiro do norte versus matola
A outra embarcação, muito semelhante a esta, nasceria pelos arredores de Aveiro .As suasmviagens eram ,colher o moliço e levá-lo à descarga ao Rio Boco.
Ora aqui surgiu-me toda uma série de gravuras em que esta embarcação (barcas sem qualquer duvida)aparecia brochada de branco(e apenas de branco) no painel da proa, sem inserção de qualquer imagem ou rodapé.
São assim aqueles “moliceiros” que se podem apreciar na foto referida. E que vêm dar mais uma ajuda.Cconfirmaro que há anos tínhamos proposto. Eram embarcações feitas por Esgueira, Aveiro, Ílhavo etc
(Nota:admitimos que estas embarcações tenham sido, como a Ílhava o foi, empregues no carreto. Isso talvez venha explicar a sua presença no porto bacalhoeiro,como mostra a foto)
As embarcações e suas tripulações (que passaram a ser os proprietários das embarcações vivendo da apanha, e não apenas lavradores que desciam à Ria, ou mandavam os seus contratados) vinham descarregar em grande quantidades(a maior) ao sul do canal de Mira, abastecento toda a Gândara. E também ao Rio Boco.Isso impôs uma alteração na dimensão da embarcação, que passou a 14/15 m ,capaz de carregar perto de 5 Ton.(com falcas).Eram viagens que demoravam três, quando não quatro marés. A capacidade era assim importante.
A forma em “peito de cisne”,dada ao moliceiro,que o torna diferente de todas as outras ,tem uma explicação que não é difícil compreender.
Todos os pormenores construtivos das embarcações lagunares(suas formas,requisitos e até pormenores, que parecem à primeira vista despiciendos, têm uma razão. Adaptação a uma finalidade pretendida.
Chegamos então á questão: quando e como aparecem os painéis que tornam o moliceiro o ex-libris lagunar?
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