segunda-feira, setembro 03, 2007

MEU CRIDO HOME :


Várias pessoas solicitaram-me ,que arranjasse e divulgase ,a célebre carta ,que no lançamento do «Ílhavo -Ensaio Monográfico» a D .Maria José Cachim –sua autora – deu a conhecer .Acabada de chegar ás mãos, apresso-me a divulgá-la no Blog ,já que a mesma é um documento notável, pleno de humor ,uma recolha dos falares simples das nossas gentes ,servido por uma capacidade invulgar de reprodução de conversas «de borralho» daqueles tempos .

À Maria José Cachim, aproveito para agradecer a sua colaboração , que enriqueceu ,sem duvida ,o simples apresentar do meu trabalho ,nem ò vida ,tão interessante como a sua missiva.


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CARTA RECEBIDA NO BACALHAU E ENCONTRADA DENTRO DE UM VELHO BAÚ. CORRIA O ANO DE 1930.
OS TERMOS SÃO GENUINAMENTE ILHAVENSES; OS COMENTÁRIOS FEITOS PELO DESTINATÁRIO, TAMBÉM AUTENTICAMENTE LOCAIS, SÃO DA MAIS PURA IMAGINAÇÃO.
NA LEITURA DESTA CARTA PROCUROU-SE REPRODUZIR, O MAIS FIELMENTE POSSÍVEL, O SOTAQUE ILHAVENSE, QUE NA ÉPOCA ERA TÃO CARACTERÍSTICO DA NOSSA GENTE.


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CRIDO HOME

Que estas duas letras te bão incontrar bem que aqui onde me dachastas istou de prufeita saúde.

DE PRUFEITA SAÚDE: E EU QUE M' AMOLE, ESTIPOR!

Alembras-te Manéu, acando te fostas imbora, foi pra mim uma desóstinação, ráio, chorei baba e ranho de sóidadas. Olha, a nossa baquinha...

A BAQUINHA, TÁ LINDA, ÀS MALHAS PARCIA O ÁRQUIRES CANDO LHE DEI A MÉZINHA PRÁS BEXIGAS. FICOU DE SETE CÔRAS!

impriu c'u imprasto que fizestas, coitadinha e lá medrou. Istou chóia de chança por isso. Manéu, queras saber qu'a cachumenta da tua mãe qu'anda sempre nessa bida...

C' A RAIO DE MULHER ! QU'ELA TEM A BER C' A MINHA MÃE ? DA MÃE DELA NU FALA, O ESTIPÔR

Agora meteu-se cu'a cubilheira da tua cunhada...

QUEREM BER QUE TENHO A FAMÉUGA TODA NA CARTA !? CUBILHEIRA, A MINHA CUNHADA ! CUBILHEIRA É ELA, QUE BAI CONTAR TUDO O QUE OIBE.

Onte, cando eu estaba a prantar as coibas ó lume apraceu-me cu'a cundessa da broa bazia e qu'ria uma traganeira p'ra fazer migas. Agardeceu, mas o fito dela era oitro, era auserbar a minha bida. Eu nu me contriba e cando a nossa cunhada, esse côdre, passa, toda prosa no adro...

TODA PROSA. TEM RAZÃO, TEM TUDO BÔ NAQUELE CORPO!

benzo-me logo e agarro o sino saimão, corrujido, Manéu, t'arrenego dos maus olhados, qu'inda me põe cobranto na nossa cozinha.
Ai Manéu, canto me custa a passar o tempinho sem ti, manóia-te daí, home, há aqui tanto trabalhinho p'ra fazeras...

AH MULHER DUM RAIO, P'RA OITRA COISA NU ME CHAMAS TU. SÓ P'RA TRABALHAR E EU AQUI CUM BUNTADE DE TUDO E DE M' AGARRAR A TI, CACHOPA.

Onte fui oibir um sarmão por tua intenção e queras saber, a Rita da Benda ficou à minha beira, ai, rico Manéu, fedia qu'estrecalaba, aquele raio era só cachaça e mijo!

NUNCA FOI D'OITRO MODO ! MIJO E CACHAÇA ! GRANDE ESTIPÔR, ESTA MINHA RIT A !

Eu tinha lebado uma escadoça e estaba mesmo incangada de todo por ter labado as pias e as gamelas p'ra tindêr a brôa mais cedo e inté pensei: crendas ber que bou esgómitar c'u aquela fedorenta ! Mas o sarmãozinho foi muito lindo, Manéu. Dormi que m'arregalei...

A SONHAR C'U PADRE, QUERAS BER !

estaba fauta, sabas?

AI, AI,AI,AI !!!

E nu m'óguentei nas grulas, mas foi muito lindo! Olha Manéu, a nossa Ana...

A MINHA MENINA !

está munto esmarada, caredo, troixe da mestra uma cópia qu'é um'ássociação. Lá está ela ali abusacada à mesa da cozinha a ler aquelas coisas lindas e a comer a marenda ! Há-­de ser uma gobernadeiraça, a noss’Ana... .

AI ISSO HÁ-DE SER !

O nosso Tóino...

O TÓINO SAI AO PAI. TRABALHAR, SÓ OBRIGADO.

cada bez s'aparece mais c'u atado do teu pai...

MAU, MAU !

coitadinho, que Deus o tenha em descanso. Se le mando fazer cauquer coisa, faz-Ia a mangar, é um esconchabo, aquele moço! Anda d'amôras cu'a Maria Rosa do Ti Jaquim, lá a inloilou e ela disse-Ie que sim. Estão sempre derretidos, os estipentos...
CUM QU' ENTÃO DERRETIDOS ! S'ELA ENCHE TEMOS BOTA ABAIXO NAQUELE FOCINHO QUE LE DOU EU !

A porta da cozinha está toda esconchabada, uma rabanada de bento impandeirou-le c'u taipau qu'assiguraba a parróira. Agora tenho que ter oirêlo na saugadeira por bia dos guatos qu'a tampa que le fizestas também arriou duma banda...

RAIOS PARTA A MULHER ! FAÇO SEMPRE TUDO MAU ! GEITOSINHO SÓ A ANA E O TÓINO !

A Micas do Janêlo, coitada, lá s'impandeirou, ó fim de tantos dias, coitadinha ! Diz qu'i... que foi um mauzinho desconhecido, ou uma coizinha ruim, eu cá no sei ó certo! Deus a lebou esfaufadinha de sofrimento!

AMÉM E BOA BIAJE !

A Rosa da Fonte também nu anda nada bem, o esprito do sogro da nossa comadre meteu-se c'u ela e, coitadinha, aparece uma probezinha. As noitas são todas d'alebante. .

CAU ESPRITO, CAU RAIO ! SÓ SE FOR ESPRITO DE CARNE E OSSO !

oitro dia fui por ela e, na cozinha, vi tudo esfaucaçado, ele eram coibas, ele era choiriça, ele eram batatas, era uma. desorde naquela casa. Uma truquia cumpleta. Os cachopos choramingabam cum fome. Esquentei-os e avrigüei-os e ela nem deu por isso. O home dela desapraceu e a família nu se dá c'u ela, é sempre uma râxa porca.

Ó DIABO, AQUI NU TENHO RAZÃO, A COISA ESTÁ MESMO MAU. BÊ LÁ SE FAZAS AUGUMA COISA POR ELA, RIT A.

Olha Manéu, estas duas letras já bão munto cumpridas, mas deixei a nubidade mais triste p'ró fim. Se calhar estou oitra bez pranha...

NU ME DIGAS, CARAGO !

. Bê lá home o que tu fizestas ! Cáde ser da gente ! Mais uma boca p'ra comer e nós cum tão poucas possas. Se fôr... paciência... chapá-Io fora é que não...

LÁ ISSO NÃO, QUE SOU HOME DE RESPONSABILIDADE !

A gente tem c'óguentar, mas parece que já estou niquenta e biqueira p'ró comer. Bai ser uma bergonhaça, c'us nossos filhos já tão graúdos.

CAU BERGONHAÇA, CAU RAIO ! BERGONHA DEBIAM TER AUGUMAS MADAMAS NA TROMBA QUE DESFAZEM DE DIA O QUE FAZEM DE NOITE !

O nosso aido mete raiba, Manéu ! A nobidade está toda a nacer...

ISTO É ANO DE NACIMENTOS, JÁ 'STOU A BER !

queira Deus que medre depressa p'ra nu mexer nu abanço, que nu é munto, mas s'eu ajuntar augum, podemos mercar a leira do Tóino da Esquina que Deus tem...

ESTE ESTIPÔR NU SABE MESMO ESCRUBER: DA ESQUINA QUE DEUS TEM ; ATÃO DEUS TEM A ESQUINA ! DEUS TEM O HOME QUE ESTABA À ESQUINA. JÁ NU INTENDO NADA DISTO. ADIANTE !

e já nos arremediaba mais auguma coisita. C'u toicinho na saugadeira, as coibitas nu aido, era só o cunduto de bez em cando, nu achas, Manéu?

E O TINTO?

A nossa porca, cum lecença do autar da mesa, qu'stá posta, pariu dez porquinhos, uma gabela dêlas, graças a Deus. S'êlas imprirem bou bindê-Ios ós treze e arrecado o dinhóiro p'ra cumprar a indrómina p'ra t'ir esprar à Barra, cando chegaras...

A MINHA RITA D' INDRÓMINA NOBA ! ATÉ O CORAÇÃO SE M' ALEBANTA !

qu'ai Manéu, s'eu adrego de ber apontar as belas do teu barco lá ó largo, ai Manéu, a tua Rita atão mais prosa c'as serigaitas de Sanjónas nenhuma delas me ganha no amor qu'arde aqui no meu peito, raio ! Hei-de abraçar-te cu'as ganas todas da minh 'alma, oiça-me Deus !

AH, MULHER DUM RAIO, SE T’APANHO ATÉ T'ESTROCEGO ESTIPÔR !

E agora, Manéu, termino, por hoije ! Arrecebe dos nossos filhos muntos bâjos e de mim, raio, arrecebe um bâjo más grande qu'á boca da nossa Barra...

ESTIPÔR! CUM' Á BOCA DA BARRA. ESTA MINHA RITA TEM CÁ UMA BOCANA !

da que t'espera e que nunca t'esquece.

Rita da Purificação

Já m'esquecia. Olha Manéu, fiz uma proméssia. S' eu nu'stiber pranha e a nossa baquinha parir uma bezerra bais pegar no andor da procissão do Senhor Jasus!

INDA POR CIMA ! ELA É QUE S' ADBERTE E EU É QUE . ME TRABALHO !

mas se já nu tibéras lugar, atão dou cinco merreiszinhos pr'ajuda da faxa noba do Sanhor Jasus qu'a cabeleira, essa já'stá paga !

Rita da Purificação

ORGANIZADA E PREPARADA POR MARIA JOSÉ CACHIM

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Aladino

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