segunda-feira, novembro 19, 2012


 

Por cá vamos indo…

 

Cá por casa tudo continua como «Ela» gostaria que estivesse. Coisas com as quais respeitosamente, eu concordava, a que  me fora moldando ao longo dos anos de uma vida partilhada intensamente. Houve altos,houve baixos?: claro, mas apenas alevanto de vento que logo passava; para o que bastava uma abordagem,doce, pelo meu lado «ronca».

Uma  sabedoria de vida que nem todos conseguiam facilmente abarcar : o convívio  fácil com as pessoas fáceis, para com quem tinha -sempre!–um gesto ou uma palavra de carinhosa brincadeira, quando não  um dito que transformava uma maledicência num sorridente  remoque; mas bem ao contrário a fuga às gentes artificialmente emproadas  que dificilmente tolerava. Tudo na Z. era natural transparente e frontal. Demasiadamente frontal.   

Agora : os sapatos deixados á entrada, desalinhados,  é uma das poucas liberdades   que desde já  assumo transgredir. Não havia meio de me corrigir: entrava  e logo iam sapatos para aqui ,casaco para ali, calças para o varandim: à medida que entrando no meu refúgio  respirava a sensação de eu, só eu ,e mais ninguém, tinha o direito de transgredir as regras da boa arrumação . Pacientemente zangada, ia apanhando tudo e colocando o rol no local aonde ao outro dia, eu encafuava o que lá estivesse e me fosse distribuído para vestir. Poderia ser amarelo, azul às riscas, o que quer que fosse: - eu vestia (ainda que fosse uma meia de cada côr). E agora, grande trabalho é o meu,este, de aprender onde estão as coisas. Apesar de que ultimamente, pressentindo o desfecho, me foi dando referências do local de armazenagem..

 No meu luto interior ( e só esse é meu!) recordo-lhe a dimensão solidária, o dar-se inteira e integralmente a todos –mas é que era mesmo todos …tantos!!!-que dela precisassem, independentemente do preço que muitas dessas atitudes nos acarretassem. Tomada a decisão,   assumíamo-la  por completo.

Por isso o nosso meio «familiar» era grande e preenchido. Se não pudemos fazer melhor, não foi porque nos eximíssemos  a uma ou outra tarefa por mais  difícil que fosse, para  o concretizar. Apenas porque não foi possível, fazer melhor, dentro das circunstâncias.

Espantosamente dedicava aos seus animais ,a mesma dedicação que dedicava aos seus. Não ia a lado nenhum sem a sua companhia. Podia tentar convencê-la a ir a um longo passeio: ia se os «meninos também  fossem». Ponto final! O mundo da Z. era o seu mundo próximo. O dos seus.

 E assim não havendo outra hipótese, um dia  fomos –finalmente! – todos.  A trabalheira para meter nos hotéis(em França e Espanha) os cachorros embarcados em malas, foi coisa épica. De outro modo os passeios ,só poderiam ter o máximo de duração dois dias.

Casaco,calças,ou outro, de que eu me esquecesse uns meses, desapareciam como por encanto. À pergunta : então  onde está «aquilo»?. Ora : olha dei a quem mais falta tinha delas que tu….Eu encolhia os ombros, claramente satisfeito….Um dia um ladrãozito entrou-me na casa da Costa.Quando foi apanhado e  fomos chamados á GNR para prestar declarações, às tantas dei que tinha vestido um belíssimo casaco de cabedal,meu. Claro que perguntei: de quem é esse casaco ? É seu :gostei muito dele,respondeu-me.

Tire-o ,já…E quando o rapazola cumpria a ordem diz a Z…: deixa, que o casaco até o tinhas esquecido na Costa. E ao «rapazinho»,faz-lhe jeito. E fica-lhe bem. A ti já te estava apertado, ora….

Fisicamente  a  Z. era um poder do senhor: agarra aí…e eu dizia, como é que te atreves?…e afinal era eu que desistia.  Esquerdina, tinha uma força desusada naquele braço ,e ai de quem o quisesse experimentar.

Bem poderia aqui estar até amanhã a falar de pequenas incidências da nossa vida em intimidade que se prolongou por mais de sessenta anos.

A secretária onde escrevo começa a estar um pouco desarrumada. Como eu. A vida também começa a desarrumar-se dentro de mim. Nunca me subordinei a nada e agora o vazio toma conta de mim.

Emocionalmente ,sinto-me equilibrado. Sobre factos futuros, não tenho curiosidade de maior. Sobreviver.
Os condenados sabem, que amanhã ou depois, os espera o cadafalso. Aos ditos  a decisão humana substituirá  a  interferência  do destino .Seremos  nós diferentes desses condenados, só porque aspiramos a uma morte sem data pré-anunciada?

Prossigamos, então, nesse intervalo, surpreendendo-nos mais a nós do que aos outros. Viver a vida por inteiro, é impossível. É ficção.
Vivamos a vida arrumando vivências, saudades, memórias, sem abdicar de viver o resto com dignidade. Aspergindo  a monotonia  da inconsistência dos dias, acreditando que só vale morrer de pois de ter amado. Mas não apenas…

Vejo para aí tantos louco a fazer-nos acreditar que acreditam nas suas delirantes loucuras, que começo a sentir  estar a perder  a minha pobre lucidez. Os meus sentimentos são fortes de mais,mesmo para quem arranja argumentos para os colocar em causa. O que os meus sentimentos podem, é estar errados com a vida.

SF

2 comentários:

Guida disse...


And those who were seen
dancing
Were thought to be insane
by those
who could not hear
the music.
Friedrich Nietzche

Guida disse...

...em tempos dificeis....

  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...