terça-feira, agosto 19, 2014


«NESTE MAR É SEMPRE INVERNO»



Por razões, para aqui  sem interesse, não estive no lançamento do livro de Tibério Paradela, «Neste Mar é sempre Inverno».
Isso não me impediu de ler o livro, tão cedo quanto possível.
E assim, cumprir a delicada tarefa a que todos fogem, a de exprimir, publicamente, a minha ideia sobre o trabalho.
Começo por dizer que me surpreendeu, agradavelmente, o sentido e a qualidade expressiva da narrativa, em algumas das suas partes. Num primeiro trabalho de fundo, é difícil fazer melhor. Há momentos belos, em que somos retirados ao texto, convidados a fazer comparações de valor estético, muito surpreendentes e agradáveis.

Ao conteúdo romanesco….

A história do «Nova Esperança» enferma, a meu ver, de alguns erros que lançam pardacento nevoeiro sobre a qualidade da escrita. Dois que reputo, fundamentais:
                        1-Ao expor – num local conhecedor – relações hipotéticas da viagem do «Nova Esperança» como a dos «Novos Mares», datando, até, o acontecimento, o autor ata o seu romance, ao tempo e ás personagens reais, que são facilmente identificáveis (talvez sem querer, a dele próprio).Ora ao longo do livro, o leitor, despertado para essa (não)  pura coincidência dos factos, acaba por, instintivamente, colocar em causa personagens «ainda vivos», pelo menos  na nossa memória (ainda que alguns já mortos).Acresce que  o autor descreve-nos perfis,  por demais conhecidos. E depois insere-os de uma maneira livre (sua) em cenas do romance, onde o perfil anteriormente delineado, não coincide nada com a cena . Ah!...pode o autor  dizer que é livre de fazer o que entender com a sua personagem ?  Sim, se a personagem for só dele.. E se nada tivesse sido de véu levantado, com  « Os Novos Mares», então aquelas personagens poderiam ser, com total liberdade,suas. Pior é quando   desenha o «Cap.Valério», e o vai buscar à realidade actual, e depois, no romance, o mostra  com falta de coragem para dar más noticias a Quico (capitão é Deus a bordo…) ou até, pensar o que ele estaria a pensar, no turbilhão da tempestade, um pouco acagaçado, aí as coisas não serão lineares. Deixasse ser o «cap.Valério» totalmente incógnito, saído inteiramente da pena do autor, e aí seria correcto.
                          2- O autor faz desabar, o tudo, o quase impossível, sobre o infeliz «Nova Esperança». E por isso o leitor é levado a desvalorizar… e duvidar de tanta desgraça numa viagem só. Tê-las-á havido. Eu sei. Mas para palco restrito de um romance ,não é boa ideia a meu ver .O que sucedeu poderia ser distribuído, levando o leitor  a viver melhor, os desideratos   O leitor tem necessidade de acreditar piamente que o romance, é mesmo verdadeiro .Tantas desgraças, só no Fernando Mendes Pinto… …Distribui-las, trazendo à boca de cena, novas personagens em novos locais, talvez desse outra intensidade ao romance, e o objectivo final sairia reforçado, deixando de ser ,o que não quer ser, caderno de viagem .                              A literatura francesa, no particular da pesca do bacalhau, está pejada de grandes trabalhos, de  famosos autores.

Não faria nada mal aos nossos autores, que pretendem embrenhar-se no mundo descritivo de uma história com profundas raízes, sociais, económicas e culturais, fazer-lhes uma visita. Também não se pode ser romancista em Portugal ,se o putativo autor não visitar e estudar, os  eças, camilos, vieiras, saramagos, etc etc.  
 Em França parece bem ao contrário do que acontece aqui, ninguém querer  ajustar contas com ninguém. Bem ao contrário. E por isso aqueles têm tido o saber de levar o leitor de um lado para o outro(livro para livro), para lhes explicar que o santo graal da pesca do bacalhau( até muito tarde pensou-se mesmo que o seria), não poderia ter deixado de ser o que foi, e como foi. « Ceux des Tempetes» (Manoir) tiveram uma «Vie Miserable» (Barrault)porque ao tempo não podia deixar de ser assim. Verdadeiras «Galères  des Brumes» (Convenant) onde se lutava pela pura sobrevivência . «L'impitoyable mètir»(Bresson) era isso mesmo.A vida tinha de ser mesmo assim. É que em cada época, não havia condições para ser melhor. Há pois que contar a(s) história(s) inserindo-a(s) no tempo.
 A história da pesca do bacalhau, á linha, na maior frota (Terre- Neuvas) do mundo, diferiu no tempo (andou á frente) mais ou menos 40 anos, da nossa. Sou dos que pensam, por conhecer bem, uma e outra, que com, ou  sem Salazar, tudo seria na mesma. Até ao momento em que insistimos na pesca à linha, sem dar o salto (quem souber que fale disso…) seguimos os passos dos mais adiantados. De todo lógico. Os problemas sentidos, vividos, as correcções  introduzidas na pesca do bacalhau, se compararmos a obra «Les Dernières Terre-Neuvas» com o que se passou nos primeiros decénios do Séc.XX, em Portugal, foram um  quase integral decalque. Um seguidismo absoluto, até ao momento da viragem para a pesca de arrasto. Nos barcos à linha franceses (Terre-Nueuvas) as condições  de vida foram sempre piores que as nossas. O grau de formação dos oficiais (daquele País) no fim do Séc.XIX e princípios do Séc. XX, e o que deles se exigia, era muito semelhante à nossa situação em 1930 (e tais).
A história, ou o facto histórico, não pode ser analisado desenquadrado do seu tempo. Senão, não é mais do que narração.

O livro «Neste mar é sempre inverno» talvez não atinja (não pode!) o que Paradela queria. Mas o autor coloca-se na linha da frente dos que têm qualidade, para cerzir os meandros de um romance, coisa bem diferente dos de um caderno de viagem. A nossa apreciação vale o que vale. Importante é que esteja atento e saiba ouvir. Só assim poderá fazer melhor na próxima
Parabéns, pois, ao autor. Nota francamente positiva.


Senos Fonseca

Nota : A tradução dos titulos dos livros franceses é de minha autoria e responsabilidade.

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