«NESTE MAR É SEMPRE INVERNO»
Por razões,
para aqui sem interesse, não estive no lançamento do livro de Tibério Paradela, «Neste
Mar é sempre Inverno».
Isso não me
impediu de ler o livro, tão cedo quanto possível.
E assim, cumprir
a delicada tarefa a que todos fogem, a de exprimir, publicamente, a minha ideia
sobre o trabalho.
Começo por
dizer que me surpreendeu, agradavelmente, o sentido e a qualidade expressiva da
narrativa, em algumas das suas partes. Num primeiro trabalho de fundo, é difícil
fazer melhor. Há momentos belos, em que somos retirados ao texto, convidados a
fazer comparações de valor estético, muito surpreendentes e agradáveis.
Ao conteúdo
romanesco….
A história
do «Nova Esperança» enferma, a meu ver, de alguns erros que lançam pardacento
nevoeiro sobre a qualidade da escrita. Dois que reputo, fundamentais:
1-Ao expor – num local conhecedor
– relações hipotéticas da viagem do «Nova Esperança» como a dos «Novos Mares», datando,
até, o acontecimento, o autor ata o seu romance, ao tempo e ás personagens
reais, que são facilmente identificáveis (talvez sem querer, a dele próprio).Ora
ao longo do livro, o leitor, despertado para essa (não) pura coincidência dos factos, acaba por,
instintivamente, colocar em causa personagens «ainda vivos», pelo menos na nossa memória (ainda que alguns já mortos).Acresce
que o autor descreve-nos perfis, por demais conhecidos. E depois insere-os de uma
maneira livre (sua) em cenas do romance, onde o perfil anteriormente delineado,
não coincide nada com a cena . Ah!...pode o autor dizer que é livre de fazer o que entender com
a sua personagem ? Sim, se a personagem
for só dele.. E se nada tivesse sido de véu levantado, com « Os Novos Mares», então aquelas personagens poderiam
ser, com total liberdade,suas. Pior é quando desenha
o «Cap.Valério», e o vai buscar à realidade actual, e depois, no romance, o mostra
com falta de coragem para dar más
noticias a Quico (capitão é Deus a bordo…) ou até, pensar o que ele estaria a
pensar, no turbilhão da tempestade, um pouco acagaçado, aí as coisas não serão
lineares. Deixasse ser o «cap.Valério» totalmente incógnito, saído inteiramente da
pena do autor, e aí seria correcto.
2- O autor faz
desabar, o tudo, o quase impossível, sobre o infeliz «Nova Esperança». E por
isso o leitor é levado a desvalorizar… e duvidar de tanta desgraça numa viagem
só. Tê-las-á havido. Eu sei. Mas para palco restrito de um romance ,não é boa
ideia a meu ver .O que sucedeu poderia ser distribuído, levando o leitor a viver melhor, os desideratos O leitor tem necessidade de acreditar piamente
que o romance, é mesmo verdadeiro .Tantas desgraças, só no Fernando Mendes Pinto… …Distribui-las, trazendo à boca de cena,
novas personagens em novos locais, talvez desse outra intensidade ao romance, e
o objectivo final sairia reforçado, deixando de ser ,o que não quer ser, caderno
de viagem .
A literatura francesa, no particular da pesca do bacalhau, está pejada
de grandes trabalhos, de famosos
autores.
Não faria
nada mal aos nossos autores, que pretendem embrenhar-se no mundo descritivo de
uma história com profundas raízes, sociais, económicas e culturais, fazer-lhes
uma visita. Também não se pode ser romancista em Portugal ,se o putativo autor
não visitar e estudar, os eças, camilos,
vieiras, saramagos, etc etc.
Em França parece bem ao contrário do que
acontece aqui, ninguém querer ajustar contas com ninguém. Bem ao
contrário. E por isso aqueles têm tido o saber de levar o leitor de um lado
para o outro(livro para livro), para lhes explicar que o santo graal da pesca
do bacalhau( até muito tarde pensou-se mesmo que o seria), não poderia ter
deixado de ser o que foi, e como foi. « Ceux des Tempetes» (Manoir) tiveram uma «Vie Miserable» (Barrault)porque
ao tempo não podia deixar de ser assim. Verdadeiras «Galères des Brumes» (Convenant) onde se lutava pela pura
sobrevivência . «L'impitoyable mètir»(Bresson) era isso mesmo.A vida tinha de ser mesmo assim. É que em cada época, não havia
condições para ser melhor. Há pois que contar a(s) história(s) inserindo-a(s)
no tempo.
A história da pesca do bacalhau, á linha, na
maior frota (Terre- Neuvas) do mundo, diferiu no tempo (andou á frente) mais ou
menos 40 anos, da nossa. Sou dos que pensam, por conhecer bem, uma e outra, que
com, ou sem Salazar, tudo seria na mesma.
Até ao momento em que insistimos na pesca à linha, sem dar o salto (quem souber
que fale disso…) seguimos os passos dos mais adiantados. De todo lógico. Os
problemas sentidos, vividos, as correcções introduzidas na pesca do bacalhau, se
compararmos a obra «Les Dernières Terre-Neuvas» com o que se passou nos
primeiros decénios do Séc.XX, em Portugal, foram um quase integral decalque. Um seguidismo
absoluto, até ao momento da viragem para a pesca de arrasto. Nos barcos à linha
franceses (Terre-Nueuvas) as condições de vida foram sempre piores que as nossas. O
grau de formação dos oficiais (daquele País) no fim do Séc.XIX e princípios do
Séc. XX, e o que deles se exigia, era muito semelhante à nossa situação em 1930
(e tais).
A história, ou
o facto histórico, não pode ser analisado desenquadrado do seu tempo. Senão, não
é mais do que narração.
O livro «Neste mar é sempre inverno» talvez não
atinja (não pode!) o que Paradela queria. Mas o autor coloca-se na linha da
frente dos que têm qualidade, para cerzir os meandros de um romance, coisa bem
diferente dos de um caderno de viagem. A nossa apreciação vale o que vale. Importante
é que esteja atento e saiba ouvir. Só assim poderá fazer melhor na próxima
Parabéns, pois,
ao autor. Nota francamente positiva.
Senos
Fonseca
Nota : A tradução dos titulos dos livros franceses é de minha autoria e responsabilidade.
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