sexta-feira, agosto 15, 2014



(Parte II)

Eu e a Srª do Pranto

 
À tarde era a procissão. As Irmandades, ladeavam os anjinhos de vestimenta a condizer, onde pontificavam as asas brancas, que era imaginado levá-los a
 
 
 
 passear pelo céu. Vinham os andores, enfeitados, jardins prodigamente floridos, sendo o da Senhora, o último. Era seguido pelo «pálio» que albergava o Priorado, conduzido por figuras gradas da comunidade. A banda marcava o compasso, e era seguida por multidão que engrossava a fileira dos adeptos do Orago.
 
 
                                                                                                                               
 
A propósito do andor….
tinha acabado o sétimo ano, e comigo, o Zé Balseiro, o Malaquias e o Álvaro, rapaziada estudante de Cimo de Vila. Convencidos do bom olhado do Orago, todos prometemos, se as coisas corressem bem, levar o andor na procissão. Quando fomos buscar (a miniatura,veja-se bem!!!!) à «Capela do Morgaqdo da Srª da Nazaré, constatámos que apesar de miniatura,o Orago ( que diziam ser uma réplica pequena) era todo feito de pedra de granito, tendo um peso de se lhe tirar o chapéu. Vamos desenrascar isto… se bem o pensámos, logo o fizemos A primeira coisa foi tirar as costas, ao dito, substituindo-as por palha. Ainda por cima,  a procissão, nesse ano, ia dar a volta ao Cruzeiro (o que nem sempre sucedia). E lá começámos …o nosso calvário. Levar a Senhora a percorrer as vias sacras do Cruzeiro, vir à Igreja  Matriz, e voltar a Cimo de Vila. Foi um caso sério. Eu e o Malaquias, à frente, mais baixos, apanhávamos com o peso, acrescido da  componente da deslocação, inclinada. E por vezes andávamos aos baldões. Foi preciso recorrer aos garfeiros (?) (devem ter um nome próprio, as varas com a muleta para pousio nos momentos de paragem, metidos nos varais) amiúde para nos acudir.
Lembro-me que só não chorei por vergonha. Mas raios (!), um «Fonseca» ir-se abaixo das canetas, era miserável. Depois soube, que, afinal, todos estivemos com vontade de desistir. Mas pela mesma razão, por respeito aos nossos nomes, cerrámos dentes, retesámos músculos e levámos a Senhora, sã e salva, a bom porto…(ando a descontar pecados desde então…).À noite estávamos todos encangados, a tratamento de pachos quentes, para safar as pisaduras. 

O arraial da festa tinha lugar à «sombra» do Arco imponente.

          

 

As tendinhas dos bolos (suspiros – de que eu gostava particularmente –, bolos de gema ,cavacas, etc), as tasquinhas de «comes e bebes», a mesa da vermelhinha (onde eu perdia tempo para decifrar o enigma),a quermesse, o balcão do tiro às latas, eram  locais por onde o povo ia gastando  a noite.

Lá para as 11 da noite, havia o ponto mais esperado: -o concerto das bandas. Entre os temas reproduzidos, os assistentes deslocavam-se, de coreto em coreto  (lembra-me de ver a Musica Velha, sob regência do Prof.Guilhermino, e a Musica Nova, sob a batuta do maestro José Morgado, em franco despique que levava ao rubro a assistência ,sucedendo, não raro, o desforço físico),para melhor ouvir os acordes(e as desafinações…).Os maestros –ouvi dizer– tinham estratégias delineadas, em que  uma peça de uma das bandas, de determinada dificuldade, levava  logo o outro contendor, a  atacar, com peça, ainda (!), de mais complexa execução. Durante a exibição de cada peça reinava um silêncio sepulcral; no final, as palmas . A  intensidade e duração, das mesmas, levaria ao reconhecimento do vencedor do duelo.

 

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O dia seguinte era o que mais me atraía ao largo da Capela. Era tempo para divertimento popular: foguetes, que ao explodirem soltavam bonecos de papel que voavam; lançamento de cavacas á multidão. Subida ao mastro encerado, para trazer o bacalhau. O puxar da corda, a corrida de sacos, a disputa do jogo da malha.Um popular jogo, onde as equipas espalhadas pelo Concelho ou fora dele (até!),se batiam, exibindo virtualidades de precisão incríveis, e onde o posicionar do corpo, ligeiramente agachado, pés, um atrás do outro, braço esquerdo estendido, servindo de equilíbrio ao braço lançador, era um espectáculo de rara beleza, em que  apenas  no golf  encontro sincronização tão exigente.
No jogo da corda a equipa que contasse como Carlos Fonseca era a ganhadora; o Carlos, meu primo, filho do Manuel ,era um verdadeiro Apollo. Forte como um touro, de uma força braçal incomensurável, tronco hercúleo num corpo de quase dois metros,, não me recorda de alguma vez ter visto outra tão colossal figura  
 
E VIVA A PÁTRIA!!!!!! exultava a dançar, a encolher e esticar o fole da concertina, comandando o trio de exímios  Maneis Concertinistas : O Velho Ti Manel (com os seus 82 anos) ,o seu filho Manuel Fonseca, e o meu pai -sim o meu Pai safava-se bem na sanfona -de seu nome, ele também, Manuel Fonseca. Lá em casa só eu é que desbotei….

SF 15 agosto 2014



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