A «ílhava» da diáspora
A exposição «DIÁSPORA dos ílhavos» inclui um modelo que se assume como o de uma «ílhava» ou «varino» da autoria do Cap. Marques da Silva, pessoa por quem, muito embora não seja das minhas relações, tenho enorme consideração, pelos relevantes trabalhos publicados, de entre os quais saliento “Memórias dos Bacalhoeiros - Contribuições para a sua História”, apreciável obra sobre a Faina Maior .
Dele, ainda, ouvi de meu sogro, largos elogios.
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Esta estória da «ílhava» tem a sua história.
Que não fujo, a contar:
No inicio deste ano fui contactado pelo Director do Museu, desafiando-me a terminar -ou melhor concretizar - a maquetização da «ílhava» que alguém - AML - lhe teria dito, eu andar, há muito tempo, nela envolvido.
A Câmara pagaria a maqueta, se tal não fosse proibitivo. Fiquei de dar uma resposta, pois pretendia-se a «ìlhava» para uma exposição sobre a aventura dos ílhavos no litoral português. A Diáspora de hoje, percebo agora.
Fui consultar os planos que tinha elaborado e, estupefacto, verifiquei que na última limpeza mandada fazer ao computador, alguns desenhos do CAD tinham desaparecido, entre eles, os desenhos da «ílhava». Estive, pois, para me escusar ao pedido.
Mas depois, pensei : se eu tinha sido - porventura - um dos causadores da necessidade de tal exposição - já aqui o expliquei - e porque, admiti, um novo traçado do plano à escala poderia melhorá-lo, atirei-me com ganas a refazer tudo, do princípio ao fim. Apesar de na altura andar envolvido nos últimos retoques do «Ensaio». Numa boa meia dúzia de noites a «ílhava» renasceu no papel. Tal como admiti, melhor do que inicialmente.
Seleccionei o maquetista, pedi preços e apresentei a proposta ao Director : 750 € era o necessário para um modelo à escala 1/27 (para que pudesse servir de comparação com os outros modelos existentes no Museu, todos na referida escala), muito embora, pessoalmente, preferisse uma outra escala.
Recebido o OK do Director, o trabalho começou. Visitas praticamente diárias, acertos, consultas à memória das gentes, pormenorização do interior, estudo do velame e sua funcionalidade e, após dois meses de intenso trabalho, a notável espécime da embarcação histórica, apareceu : bela, inquestionavelmente bela e - o principal ! - contendo diversos indícios que nos permitem reconstituir, com segurança, muitos pormenores da história da Laguna. A «ílhava», vista e analisada ao pormenor, é um repositório de ensinamentos, uma verdadeira peça arqueológica, capaz de nos esclarecer muitas interrogações, até aqui sem resposta .
Apressei-me a levá-la ao Museu, para a entregar. Ali chegado logo me apercebi que algo de embaraçoso se passava. Parece que o subsidio para o pagamento do maquetista já não era possível. Percebi logo o porquê. E todos o perceberão. A saga é longa e mal cheirosa.
Paguei do meu bolso ao modelista - diga-se com muito agrado -, só que a «ílhava» repousa agora entre os modelos que guardo religiosamente em casa.
Não deixei, contudo, de garantir que, mesmo perante o insólito da questão - com elevado e pouco habitual fairplay - que o modelo estaria à disposição do Museu, sempre que dele necessitasse.
Questão encerrada.
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Há pouco tempo (um mês?) numa ocasional ida ao Museu, o seu Director informou-me que o meu modelo não seria preciso para a tal exposição, pois que seria apresentado um outro, executado pelo Cap. Marques da Silva. Tudo bem.
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Tive então agora, a ocasião de estudar o modelo da «ílhava» ou «varino» exposto na «Diáspora».
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Bom foi, que, finalmente e logo no mesmo ano, aparecesse o que se tinha perdido completamente no tempo, um pedaço fundamental da nossa história agora finalmente recuperado. Louvo por isso o Cap. Marques da Silva.
Teço sem qualquer acinte ou outra intenção, que não a do rigor, alguns reparos ao seu excelente labor (se mos permite).
Estudei profundamente tudo quanto, julgo, haver sobre tal embarcação ; juntei-lhe as informações orais, preciosas, que ouvi do meu Pai e desse excelente amigo Dr. Frederico de Moura, com quem por diversas vezes discuti o assunto. Ensaiei com a ajuda das novas tecnologias, possíveis soluções de racionalidade de formas e funções da bateira, e por isso, julgo estar em condições de levantar as seguintes questões:
1- Tenho para mim, que a forma do terço anterior da «ílhava» não era bem como a apresenta o Cap. Marques da Silva mas a de um outro tipo de barco, utilizado por outras gentes. Facto não muito importante. Mas a «ílhava» era superiormente elegante nesse particular, pormenor que a distinguia de todas as outras. Quiçá, mais elegante do que o Moliceiro, que nela se inspirou.
2- A «ílhava» usava seis remadores ao remo (que não é minimamente o do tipo mostrado pelo modelo de M .da S.) e três ao cambão. Isso exigiria uma posição de remar muito típica, que mais tarde foi utilizada nos meia lua. Por isso o seu interior teria que ter uma lógica funcional especial, dada a dimensão da boca.
3- O velame de pendão era completamente diferente (eu concluí tal) do apresentado por M. da S. O velame da «ílhava» servia apenas para as popas, era baixo (2,5-3 vezes a boca) o envergue muito longo (3,5 vezes a boca), trabalhando sem calcador, prendendo à amura de barlavento aquando da popada cheia. O encosto do envergue ao mastro, era feito a 1/3 do extremo anterior daquele, o que permitiria uma armação quase como se tratasse dum pano redondo. Sem valuma, bolinão ou esteira -de afinação - mas com rizos, a vela incipiente da «ílhava», foi a clara antecessora da vela do Moliceiro. Neste com uma função vélica muito diferente, superiormente evoluída, adaptada a bolinas cerradas.
4- A borda da «ìlhava» era forte, para fixar o calão, e não, como a de simples bateira da ria. A «ílhava» foi usada como bateira do mar, trabalhando na sua pancada, quando antecedeu o meia lua das Artes. Por isso, tinha de ser forte e com pontal muito superior ao Moliceiro.
Um curioso exercício, é permitido facilmente com o computador : retirada a proa da «ílhava», rodada de determinado ângulo, ela encaixa soberanamente no meia lua da mesma escala.
Fiz estes reparos ao modelo do Cap.Marques da Silva, como ele fará outros tantos - ou mais ! - reparos ao meu modelo.o QUE SÓ LHE AGRDECEREI.
Pena que não pudessem ter sido exibidos juntos.
Talvez um dia ! Num outro tempo, em que a cegueira tenha arranjado oftalmologista capaz.
SENOS DA FONSECA
Agosto/2007
domingo, agosto 12, 2007
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