quinta-feira, fevereiro 21, 2008


Pérola literária

Há dias, alguém amigo fez-nos o favor de enviar a carta que reproduzimos abaixo, guardada desde há muito.Chamava-nos a atenção para a notabilíssima pérola literária que a mesma é .Indubitavelmente. Difícil manobrar melhor e com mais estro a pena. É uma peça literária plena de graça, irónica, na abordagem de drama íntimo, sério, para a resolução do qual se pede mais que tratamento clínico adequado à maleita, mas empenho solidário. A lembrança levou-me a partilhá-la com os leitores deste Blog.
Dirão os meus caros :finalmente ,coisa boa no Blog !.Seja…
Não posso – ou não devo adiantar muito mais –, senão alertar que em breve nos vai ser dada a oportunidade de aceder a um conjunto de inéditos de Frederico de Moura, por onde perpassa, em vigoroso –e muito próprio – mas não menos excepcional, estilo, as vivências do médico empenhado, do cidadão livre, do intelectual assumido, figura de dimensão homogénea cuja memória nos honra recordar.
Para já fiquemos com esta deliciosa entrada:
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Carta dirigida pelo Dr. Frederico de Moura, ao Dr. Nogueira de Lemos, Médico Cirurgião de Aveiro



Meu caro Lemos,


É coisa axiomática que o pénis não obedece a freio; e é coisa de esperar que, a natureza o tenha dado a animal que lhe não obedece. Mas como a esta estuporada profissão que exercemos só aparecem anormalidades, aberrações e coisas em desacordo com a natureza, surgiu-me hoje no consultório esse rapazinho que lhe envio, com um freio de tal dureza e de tal conformação que o insubmisso pénis, tradicionalmente indomável, não teve outro remédio senão ceder. Calcule os mistérios e os paradoxos desta ladina natureza! Esse moço, na casa dos 20 anos com uns corpos cavernosos que devem estar isentos de qualquer esclerose ou de qualquer obstrução, e concerteza dispondo de uma libido afinada capaz de lhe fazer sair, erecto, o próprio umbigo, resolve ir para o casamento com os seus (dele) três vinténs e confirma, então a suspeita que já tinha, de que no auge da metálica erecção, o pénis fica em crossa como o báculo de um bispo, por incapacidade de vencer a brevidade e a dureza do freio que lho verga para a terra. Calculará o meu prezado Lemos, as acrobacias de alcova que este desgraçado terá de realizar para conseguir a penetração de um membro viril, quase tão torto como uma ferradura, na vagina suplicante da consorte.

De modo que o rapazinho veio pedir-me socorro, e eu condoído peço-lhe a sua colaboração em favor da harmonia conjugal, com a certeza de que por isso ninguém nos irá acoimar de chegadores. Condoa-se a cirurgia de braço dado com a medicina que, por intermédio deste fraco servidor que eu sou, já se condoeu e endireitemos o pénis torto (e nada de confusões, que não é mole pelo que me afirma o proprietário). Lembremo-nos, sobretudo, ao praticarmos esta obra, que vem aí um tempo em que um pénis destes, mesmo em arco ou em forma de saca-rolhas, nos faria um jeitão, e ajudemos o pobre rapaz que se compromete comigo a fazer bom uso dele, emprenhando a mulher da primeira vez que o usar, depois da operação ortomórfica que o meu amigo lhe vai fazer sem sombra de dúvida.

Desculpe mandar-lhe desta vez uma tarefa fálica! Ouvi uma mulher um dia dizer que um Phallus é um excelente amu1eto e que dá sorte verdadeira. Se quiser tirar a prova não tem mais que endireitá-lo... e jogar a seguir na lotaria. Desculpe, pois, a remessa de bicho tão metediço que eu por mim prometo, logo que possa, e em compensação, mandar-lhe uma vulva virgem e nacarada como uma concha de madrepérola.

Um abraço do seu amigo certo
Frederico de Moura



P.S. - Como a minha letra é muito má segundo a sua opinião, e como o assunto desta carta é muito importante para duas pessoas, uma das quais do sexo fraco, entendi do meu dever dactilografá-la. Assim. não haverá nenhuma razão para que o meu amigo dizer que não entendeu o que eu queria e, por partida, deixar o aparelho na mesma ou pior ao rapaz.

Quero ainda dizer-lhe que para sua compensação, tenciono depois do êxito que o seu ferro cirúrgico vai alcançar, comunicar o seu nome à mulher beneficiada que, por certo, lhe ficará eternamente grata, ficando sempre com a sua pessoa presente na memória nos momentos - e oxalá que sejam muitos! - em que se sentir penetrada por um pénis que só o meu Amigo conseguiu endireitar. E nem sei se o Estado virá louvar a sua acção, se lhe for dado conhecimento que os filhos que saírem daquele casal são devidos em grande parte (não ao seu pénis) mas, sem dúvida, à sua mão.

E filhos com a mão nem toda a gente se poderá gabar de os fazer!



Creia-me seu afeiçoado,
Frederico
27/3/1958

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PS- Hoje, por razões óbvias, não há «Aviso da Paróquia». Voltará no próximo
Aladino

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