S Bartolomeu :dia do diabo à solta.
Nem
o despertador precisou de me chamar, nem o galo de cantar; parti no horário em
que sabia, apanharia as «faladeiras». E
a meio do percurso, lá vinham as duas simpáticas pescadeiras, lestas e ainda
desempenadas das pernas. Notei que vinham a gesticular fortemente, parando de
vez em quando, especadas na marginal.
Máquina
a meia força, fui-me aproximando. Pàra a máquina!...,devo ter pensado.E fiquei
a pairar, à espera que as duas,a Zefa e a Tibéria se aproximassem. E leme a
bombordo, atraquei ao de labaró, e dei os louvados:
-Louvadas
Vossorias, gente fina desta praia velhinha; mas ainda bonita e asseada, como o são as sua cachopas .
_
Ah seu endrominador, você não perde
tempo para,ainda não ter passado a mão
da barca e já está na mangação,seu camanduleiro.
-
Eh Ti Josefa essa de camanduleiro é
que nunca ouvi. Astão o que é lá
isso? Perguntei interessado no léxico vernáculo.
-Ai
não sabe ?!...pois.. pois.. eram os
rapazotes enganadores .Ou as beatas na camandula:
de terço de contas grossas à vista, as banguinas
a fingir que iam a rezar, aquelas calamantronas.
O que elas estavam era a fazer horas para irem ao confesso, onde o Padre
Horácio lhes despertava a cocegueira na cricalhada. Que eu diga era um grande rascoeiro.Que diga-se dava abêgo a todas, astifazendo-lhe as necessidades. De boa boca ...tudo o que vinha á rede era peixe, desde que
tivesse guelra avermelhada. Não havia beata, saltarina ou cantadeira de missa,
que lhe escapasse. Trambolhão por trambolhão,ia-se o paraíso.Que a Eva também
era danada p’rà cambalhota. E pr’a homem e mulher mais saborosa brincadeira, deus não inventou. Disques.
-Ah
mulher vê lá como falas aqui com o senhor. És mesmo uma desaussernada . Lingua ruim e
envenenada. Emboitas qualquer uma com a tua língua de vinagreira. Olhe aqui
amigo: olhe c’a vida na companha não era só um enxogalho de má língua.Havia momentos de inquisilar a alma .Ó!...
Zefa alembras-te daquele dia do S. Bartolomeu ? Já ouviu falar neste
santo?
-Olhe
que sim ,respondi. Quando era rapazinho,nesse dia, as mães nem nos deixavam
sair de casa. Diziam que andava o diabo à
solta…Ainda me lembro que num deles, andava um tenente muito emproado, muito esturto, no cavalo, ali perto da antiga esplanada, a mostrar-se ás
garotas (que olhavam mais para o cavalo que para o pelingrino ).O animal
espantou-se,tomou o freio nos dentes, e foi como trovoada por ali acima até casa dos Taveiras. Estacou;
e vai o pavante «tenentezeco» avoou e aterrou no Bico, no meio do lodaçal, emboitando
a farda toda.
-Mas
olhe c’a até andava o raio malino à
solta ,desembolado. Eu conto-lhe:
(…)
no dia desse santo ,era costume não se ir ao mar, pois diziam, acontecia sempre que o pecadito fazia das dele. Mas naquele ano
as semanas tinham sido tão más que já havia fome entre as gentes. O arrais Ti
Cruz reuniu a companha e botou faladura:
-Eh
…gente :eu ando desaquietado: esta vida está de morte. E morrer por morrer, mais
vale morrer no meio daquele estipôr, que
por aqui, á fome. Por isso eu quero ver se tenho homens da minha ógalha.Ou meninas virgoleiras, com medo de serem espetadas com a padela. .Maneiem –se os que querem
embarcar. Fiquem os inxuns a rezar ao belzebu.-Aqui me tem Senhor, avançou o Bernardo» rompendo a fila dos brejoeiros hesitantes. Cabeça alevantada, peito firme, alto como uma torre, forçudo capaz de erguer um mansarrão pelos gorgomilhos,olhos verdes da cor do mar,quando manso. Mas de onde saíam chispas quando irado. Ao verem o Bernardo , o Carlos ,o «Negrote»,o «Ranhoso»…e outro e outro… deram passo em frente.
-Ti Joana, encaneire o pessoal,e vamos lá com Deus, que ele nos cubra com o
seu divino capote,vamos dar lanço nem
que seja para o escabeche:- disse o
ti Cruz para a «arraisa» Joana, a chefa
da companha em terra..
Foi
ordem que provocou uma restolhada. Redes
pra dentro, sacada à borda desenvencilhada,mangas enroladas a que se juntou o cálão e a mão da barca. Chama-se o abegoeiro. Que trouxesse quatro
juntas de hercúleos bois, pois há pancada rija; e meter o meia lua a vogar,obriga
a que a muleta vá até à borda, e que
os bois,enfeixados nas arnelas,
metam barriga mar dentro para dar impulso.E assim ajudar a
embarcação a boiar. A entrar mar adentro..
E
foi então, quando as duas juntas estavam com água pelos ruços, borregando em ir mais dentro, aguentando a vergastada e o aguilhão da vara inclemente que lhe zurrava nos costados,
que uma vaga atravessa o meia lua. O Arrais grita num vozeirão:
-Rema
! Riba….Ó…Ó …riba…Eh! raios …diabos… riba para a vaga …Seus langões. Dai força aí no mieiro, ou ides hoje todos
para o inferno das profundezas .
Numa
arrancada, mistura de vontade com medo,o barco dá um esticão para aproar à
vagalhoça. Mas presa à embarcação, a junta de bois de estibordo é arrastada com a ré da embarcação. E eis que os
bois perdem pé .Cabeça e cornadura de
fora, tentam ferozmente desenvencilhar-se do cordame que os prende à
embarcação. Num repente, vê-se o Bernardo astirar-se
à auga,e com a navalha libertar, do barco e do cabeçalho,os animais. E nadando para terra,resoluto ,entrega a
ponta da corda ao pessoal,que água até ao pescoço, alam o pobre animal para terra.
-E
o outro? Você sabe lá (?!),diz a Zefa
inquirindo-me…
-Pois
e outro Ti Zefa …..adianto, pronto a ouvir o resto deste quadro vivo
,expressivo, luta de gigantes com o mar,
- Pois: a Ti Joana mulher d’um carago, nadadora exímia, tinha-se atirado e saltara
para os costado do boi que resfolegava .E
atirando –lhe o saiote preto para os olhos, filada ao cornígero animal, forçara-o
a virar-se para terra. O animal sentindo areia debaixo das patas pareceu ganhar
alento. E zás que ala tarde.
Recuperado «pé»,ajudado pela vaga, e pegado pelos cornos pela Joana, o animal
desenvencilha-se do mar e parte em corrida
resfolegante pelo areal adentro. Vai por ali fora e...De repente: escafedeu.
Estaca, e a boa arraisa Joana voa e aterra de barriga no areal. Só que o saiote e fralda, ficam espetados nos cornos do boi. E a Joana esparralhada no areal, mostra o alvo traseiro. Bonito e redondinho. Firme, parecia montanha amaciada por mão divina.
Estaca, e a boa arraisa Joana voa e aterra de barriga no areal. Só que o saiote e fralda, ficam espetados nos cornos do boi. E a Joana esparralhada no areal, mostra o alvo traseiro. Bonito e redondinho. Firme, parecia montanha amaciada por mão divina.
-E
quereis saber Senhor (?): entra a Tibéria de
quarto.Pois todos aqueles zamparinas
, gadagem que cobiçavam tudo que fosse mulher, viraram a cara (e os olhos !)
libertando a Joana de córar de vergonha, ao ver-se exposta como a sardinha na
sacada.
-Todos?.
Todos não, diz a Zefa ,com um riso malino na cara.Não !.... o Bentinho «Cagaréu», que diariamente mirava guloso aquela mulher tão liró,parecia hipnotizado ao
ver a meia lua da Joana tão ajeitadinha e torneadinha. E ògadinho não tirava os olhos daquele
quadro que parecia um retábulo real.Até que a voz da Joana trovejou:
-Que
estás a olhar, pelintra? Gálico (!), nunca
viste o traseiro da balcória da tua mulher ? queres chari-lo?
.Anda esculhambrado, astreve-te que eu filo-te pelo gasganete e amanho-te a
tripa que tens entre pernas para escaço.
-AH chopa :morrendas se nao falendas.Que tinhas tu de comentar que Bentinho viu o «rabinho» de anjo da Ti Joana? òspodias ter terminado sem teres emboitado a estória. Assim : quando a arraisa Joana se pôs de pé,já o meia lua atravessara o mar quebrado e fazia emposta à procura do cardume ….
-AH chopa :morrendas se nao falendas.Que tinhas tu de comentar que Bentinho viu o «rabinho» de anjo da Ti Joana? òspodias ter terminado sem teres emboitado a estória. Assim : quando a arraisa Joana se pôs de pé,já o meia lua atravessara o mar quebrado e fazia emposta à procura do cardume ….
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